Tuesday, 14 April 2009

Parte II.

Através de outra janela do mesmo prédio, consigo espreitar a sala do Sr. Xico e da Sra. Maria de Lurdes ou Dona Marilu como a chamam na Mercearia, da qual são proprietários.

O Sr. Xico é mau como as cobras, resmungão e trombudo, como se a vida lhe tivesse a dever uns quantos trocos. Só ele trata a Dona Marilu, pelo seu verdadeiro nome. Passa todo o dia sentado à porta da mercearia, a berrar-lhe ordens enquanto come tremoços e vigia a vizinhança. Nunca ouvi este homem a falar com a sua esposa sem ser a gritar, e nunca vi um mínimo carinho trocado entre o casal publicamente, que, pelo que me contou a Dona Marilu, são casados já lá vão trinta e dois anos.

A Dona Marilu, é sorridente. Solta gargalhadas profundas e maravilhosamente sonoras com tanta regularidade e espontaneidade que nunca se percebe bem o que lhe desperta tal expressão. Ao final de cada dia, o Sr. Xico deve-lhe contar tudo o que observou na rua, pois ela é a própria concierge do bairro, sabe os nomes e as vidas de tudo e de todos. Já comentou comigo que o seu marido fica furibundo com as muitas visitas e musica alta do rapaz do lado (o meu vizinho misterioso) e que inúmeras vezes pegou no telefone para chamar a policia, mas ela não o deixou.

Só vejo metade da sala deles, o ângulo não me permite mais. O que consigo ver é o que se espera; Rendas, fotografias emolduradas, bibelôs e mobília castanha e escura, velha e não antiga. Têm ambos hábitos fixos, trabalham todos os dias, menos ao domingo quando fecham a mercearia e vão à missa, e passam todas as noites na sala a ver a televisão, é claramente um ritual. Ele não fuma, excepto, um cigarro, sempre a seguir ao jantar e sempre à mesma hora. A seguir à primeira inalação que é gozada de olhos fechados e muito lentamente, Sr. Xico transforma-se! Sorri... A seguir ao que me parece uma eternidade, vem o momento que me dá mais gozo espiar...apaga o seu cigarro fumado até ao filtro, arruma o maço na gaveta e levanta-se da poltrona. Atravessa a pequena distância até ao sofá, para se sentar ao lado da sua esposa, beija-lhe a bochecha cuidadosamente e dá-lhe a mão.

1 comment:

A. said...

este blog anda parado.... e eu gosto tanto dele... :)

beijos