Desde aquela primeira noite em que troquei olhares com o meu Vizinho Misterioso, houve um grande progresso, agora é assumido. Olhamo-nos sem disfarce. Por vezes quase que sorrimos um para o outro, mas é uma coisa subtil, não há cá um piscar de olho, nem o abanar de uma mão para dizer olá ou assinalar o adeus.
Tenho começado a sentir alguma ansiedade ao andar na minha rua, sinto nervos quando penso na grande probabilidade de o encontrar, no perigo de estar em proximidade suficiente para quebrar o silêncio e assim acabar com este nosso jogo nocturno tão delicioso...
Hoje, ao terminar um almoço no Chiado, passeio-me sem pressa, sem aquela determinação que adoptamos no passo quando já estamos a chegar perto de casa. Hoje ando lentamente, com rumo mas com o ritmo de quem não o tem. Adoro estes dias, em que me perco nas ruas que já conheço tão bem. Fico encantada a olhar para o azul do céu, ou a luz que só Lisboa tem. Não é raro a beleza encher a nossa cidade, pelo contrário somos abençoados com luminosidade e brilho quase diariamente...
Lembro-me de quando vivia em Londres, chovia meses a fio. Estava constantemente frio, mas a minha maior desgraça era a escuridão. Temporadas intermináveis de dias que pareciam noites, nessas alturas tinha dado tudo por um raio de sol lisboeta.
Nem sempre, mas muitas vezes, enquanto passeio, sinto um aperto no coração, ou borboletas no estômago e penso “amo esta cidade”, a sensação é igual a como se tivesse a trocar olhares com um amante.
...Apercebo-me que já cheguei ao início da minha rua sem dar conta. Perco a sensação de fantasia que me acompanhava desde o Chiado e fico nervosa. Digo o habitual olá ao Sr. Xico, que como sempre está sentado à porta da sua mercearia a comer tremoços e sorrio ao ouvir as magníficas gargalhadas da Dona Marilu que se escapam lá de dentro.
Começo a andar mais rápido, encolho os ombros e baixo a cabeça, como se isso fosse suficiente para me esconder. Chego à porta de minha casa e tenho dificuldades em acertar com a chave na fechadura, tenho as mãos a tremer.
Já dentro do prédio, com a porta a criar barreira entre eu e a rua, suspiro. Solto uma gargalhada nervosa e dirijo-me à minha caixa de correio. Tenho diariamente a esperança de encontrar um envelope com o meu nome escrito à mão, coisa que hoje em dia é tão rara. Encontro dois envelopes, um do banco que rasgo sem abrir, e uma conta da companhia das águas. Tenho diariamente a esperança de aqui encontrar uma carta de amor.
Friday, 17 July 2009
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5 comments:
Qdo fizeres o 100º texto deste blog... quem vai a uma editora ctg sou eu!!!
Beijos linda
AC
Adoro este blog, pensava que tinhas parado, felizmente estás de volta.
Anabela
Obrigada Anabela!
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J.
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