Deixo temporariamente a bela cidade para viajar.
Num dos portos em que se encosta o barco onde me tenho deitado e adormecido tão bem, abalada pela paz que me partilham as águas mediterrânicas, aterro os pés em terra firme para cear num restaurante de cozinha libanesa.
Eu e os meus companheiros de mesa criamos aqui um pequeno grupo muito internacional, Palestina, França, México, Espanha e Portugal. Ficamos numa mesa situada no canto de um pátio iluminado por velas e drapejado por voile transparente. A noite é quente, o céu negro e limpo, excepto o brilhar das muitas estrelas que me dão tanto prazer ao olhá-las. De vez em quando, passa uma leve brisa de ar morno que solta um bonito ruído das folhas de bambu que nos rodeiam.
O cheiro de especiarias vindas de terras longínquas enche o pátio. Este lugar parece-me muito exótico, sinto aquela maravilhosa sensação de um misto de ânsia e curiosidade que se tem quando rodeado de estranhos num sítio estranho.
Há algo muito erótico sobre o ar quente e pesado de uma noite de verão, o corpo desperta e os sentidos ficam mais atentos, mais primitivos, os olhos brilham e a pele fica subtilmente sensível a cada brisa que passa, a cada toque. Mesmo uma mão que se pousa noutra por nenhuma outra razão, a não ser estar a acompanhar uma conversa, transmite uma deliciosa sensualidade.
Sou sentada ao lado de um homem que até há poucos momentos me era desconhecido. Confesso que quando o vi, senti uma atracção imediata e percebi que ele também...tem olhos grandes e azuis, impossíveis de não admirar..Se fossemos como os animais, jamais estaríamos sentados tão civilizadamente à mesa a fazer conversa de ocasião.
O grupo é alegre, as várias culturas acrescentam interesse às histórias e discussões. Eu e o estranho interagimos com o resto do grupo animadamente, afim de tentar disfarçar o desejo que ambos sentimos um pelo outro e a vontade que temos de estar a sós. A entoação que usamos quando nos endereçamos cria um código secreto, uma intimidade entre estranhos, um certo joguinho que só nós sabemos que ali se desenrola.
Durante a ceia e sempre que pode, toca-me. Brinca com o meu isqueiro, acaricia o meu copo, como se estes objectos fizessem parte de mim.
A meio jantar, fala da sua noiva, com quem está junto há onze anos e tenciona casar em meados do próximo ano. Admite que ao longo dos anos tem sido infiel e justifica-o como sendo um investimento. Explica que se for infiel antes do casamento assim acabará com todas as suas curiosidades e depois de casado não procurará experiências com outras mulheres, estará saciado. Continua partilhando a sua filosofia com a mesa, maioritariamente masculina, que o tenta convencer que está incorrecto, eu fico calada à espera que termine o discurso. Diz que só escolhe mulheres ‘especiais’ para consumir a sua infidelidade e que precisa de o fazer por uma questão de assegurar a sua masculinidade.
Todos partilhamos uma sobremesa de laranjas cortadas às rodelas cobertas por mel, amendoas e flor de laranjeira, pergunto-lhe porque não come, pergunto-lhe se não gosta de laranjas. Diz-me que tem nojo de comer de um prato que não seja dele.
Quando terminamos a ceia, satisfeitos e já bem bebidos, dirigimo-nos ao bar do restaurante. Enquanto os outros discutem qual deve ser o nosso próximo passo para continuar a festejar esta noite, ele agarra-me o pulso e guia-me para que fiquemos separados dos outros por uma pequena distância. Posiciona-se muito próximo de mim, sinto o tecido da sua roupa a tocar-me e continua o seu discurso.
Durante toda a discussão e até ao momento mantive-me silenciosa, assim continuo e oiço-o. Finalmente pergunto-lhe porque se tenta justificar a mim. “Quero que me percebas”, diz ele, “Quero que entendas as minhas razões e que não me julgues”. Mais uma vez apenas sorrio e não lhe concedo qualquer opinião ou resposta. Vejo nos olhos dele que pensa que estou ganha e aguardo pacientemente o momento em que me desafiará a partir com ele.
Depois de mais alguns momentos, como se esperava, convida-me a sair dali com ele. Sorrio.
Mais tarde, retiro os pés da terra, deito-me, fecho os olhos. Sinto o seu cheiro, o meu corpo transpira e move-se ao acompanhar o seu ritmo. Sinto um enorme prazer, plena satisfação ao ouvir o seu sussurrar. Este momento é meu, não o partilho com mais ninguém, não me sinto só quando estou com o mar.
Thursday, 10 September 2009
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